Lei 14.531/2023: análise, reflexões, e perspectivas para o tema Saúde Mental, Educação Emocional para a Segurança Pública e Defesa Social
Parte 1
Erick Guimarães
Físico pela UnB, professor há 20 anos, especialista em Criminologia, Políticas e Gestão da Segurança Pública e Engenharia ambiental
Em 11 de janeiro de 2023, foi publicada no Diário Oficial da União – DOU uma Lei, sancionada pelo atual presidente da República, voltada para os cuidados com a saúde mental de profissionais da área de Segurança Pública e Defesa Social. A Lei 14.531/2023 traz diretrizes a serem adotadas pelo Ministério da Justiça acerca da prevenção e do atendimento de casos de emergência psiquiátrica desses profissionais.
É inegável que, no Brasil, os profissionais de segurança Pública não encaram, frente à frente, apenas a criminalidade, mas também as mais diversas mazelas, dramas e problemas sociais e, por isso, demandam atenção e cuidados especiais relativamente à sua saúde mental e emocional.
Recentemente, povoam no noticiário, no contato diário, nos grupos de mídia social e nos bastidores, as mais diversas notícias de colegas que adoeceram, que foram aposentados, que perderam a vida, ou a qualidade dela, que sucumbiram aos mais diversos tipos de vícios e fugas psíquicas, devido às complicações relacionadas à saúde mental e emocional, decorrentes das condições de trabalho a que são submetidos.
Representa um sinal de esperança ter, já no início do presente ano, a sanção de uma Lei que tenta ampliar e aprofundar as tratativas ao tema saúde mental, criando diretrizes e metas, com intuito de acolher esses bravos heróis que sacrificam muitas vezes o seu bem-estar e da sua família, colocando em risco a própria vida em defesa da sociedade. O reconhecimento formal à busca por ações efetivas para amparar esses servidores em seus DIREITOS fundamentais constitui-se em instrumento de proteção à vida dos profissionais e da sociedade, dada a situação de calamidade que assistimos, frequentemente, no noticiário nacional.
Basicamente, a Lei 14.531/2023 altera as Leis 13.675/2018, que cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e a 13.819/2019, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, para dispor sobre a implementação de ações de assistência social, à promoção da saúde mental e à prevenção do suicídio entre profissionais de segurança pública e defesa social, além, é claro, instituir as diretrizes nacionais de promoção e defesa dos direitos humanos dos profissionais de segurança pública e defesa social, além de outras providências.
De acordo com as novas modificações, foram inseridos novos objetivos para o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais, de Rastreabilidade de Armas e Munições, de Material Genético, de Digitais e de Drogas – SINESP, a saber:
– produzir dados sobre a qualidade de vida e a saúde dos profissionais de segurança pública e defesa social;
– produzir dados sobre a vitimização dos profissionais de segurança pública e defesa social, inclusive fora do horário de trabalho;
– produzir dados sobre os profissionais de segurança pública e defesa social com deficiência em decorrência de vitimização na atividade;
– produzir dados sobre os profissionais de segurança pública e defesa social que sejam dependentes químicos em decorrência da atividade;
– produzir dados sobre transtornos mentais e comportamento suicida dos profissionais de segurança pública e defesa social.
Aqui já observamos a preocupação do legislador em criar bancos de dados, coletar, reunir e divulgar informações sobre o assunto. Embora, no Brasil, ainda tenhamos obstáculos quanto à preocupação em se criar estatísticas, dados e informações sobre os temas, principalmente relacionados às Políticas Públicas, ainda assim são positivas as expectativas no que dizem respeito à inserção desses objetivos para o sistema SINESP. Se tem uma coisa que a crescente informatização do mundo nos ensinou é que não se pode atacar um problema de natureza complexa sem conhecer o máximo possível de informações sobre a matéria.
O programa Pró-Vida, que tem por objetivo elaborar, implementar, apoiar, monitorar e avaliar os projetos de programas de atenção psicossocial e de saúde no trabalho dos profissionais de segurança pública e defesa social, bem como a integração sistêmica das unidades de saúde dos órgãos que compõem o Sistema Único de Segurança Pública – Susp, também recebeu modificações, dentre elas:
– passará a desenvolver durante todo o ano ações direcionadas à saúde biopsicossocial, à saúde ocupacional e à segurança do trabalho e mecanismos de proteção e de valorização dos profissionais de segurança pública e defesa social. A implementação destas ações será pactuada, nos termos dos respectivos planos de segurança pública, entre União, Estados, Distrito Federal, e Municípios.
– passará a publicar, anualmente, as informações retromencionadas, produzidas pelo sistema SINESP, de todo o território nacional, de acordo com regulamentação a ser feita pelo Poder Executivo federal.
– passará a desenvolver ações de prevenção e de enfrentamento a todas as formas de violência sofrida pelos profissionais de segurança pública e defesa social, a fim de promover uma cultura de respeito aos seus direitos humanos.
– passará a produzir diretrizes direcionadas à prevenção da violência autoprovocada e do suicídio.
Também ficou estabelecido que o Ministério da Justiça e Segurança Pública divulgará, no âmbito do Pró-Vida, em conjunto com a Rede Nacional de Qualidade de Vida para os Profissionais de Segurança Pública (Rede Pró-Vida), diretrizes de prevenção e de atendimento dos casos de emergência psiquiátrica que envolvam violência autoprovocada e comportamento suicida dos profissionais de segurança pública e defesa social, a ser adaptadas aos contextos e às competências de cada órgão.
Observa-se que o poder público vem reconhecendo a importância de fortalecer programas de prevenção e apoio relacionados ao tema saúde mental, principalmente para situações mais graves em que o servidor tem sua integridade física e vida ameaçadas. Frisar a importância do desenvolvimento, ampliação e criação de programas de atendimento psicossocial, com ações durante todo o ano, e não apenas em intervalos pontuais, representa um ganho significativo rumo a um tratamento mais efetivo ao adoecimento de profissionais de segurança pública. O fomento ao desenvolvimento de uma cultura que proteja os servidores vítimas do adoecimento psíquico também é muito importante, caminhando rumo às sinalizações institucionais recentes quanto à tolerância zero em relação ao assédio moral e qualquer tipo de perseguição ao servidor, sobretudo por conta de sua condição de saúde, tema conhecido e vivenciado, com frequência inaceitável, por todos nós servidores. Traz grande alívio perceber que, cada vez mais, a preocupação com as condições de tratamento dos servidores e o respeito aos seus direitos mais básicos têm sido recepcionados pelos legisladores e nas discussões políticas de nosso país.
Nessa linha, foram estabelecidas algumas diretrizes para as políticas e as ações de prevenção da violência autoprovocada e do comportamento suicida dos profissionais de segurança pública e defesa social desenvolvidas pelas instituições de segurança pública e defesa social no momento da pactuação entre os entes federados, sendo elas:
– perspectiva multiprofissional na abordagem;
– atendimento e escuta multidisciplinar e de proximidade;
– discrição e respeito à intimidade nos atendimentos;
– integração e intersetorialidade das ações;
– ações baseadas em evidências científicas;
– atendimento não compulsório;
– respeito à dignidade humana;
– ações de sensibilização dos agentes;
– articulação com a rede de saúde pública e outros parceiros;
– realização de ações diversificadas ou cumprimento de disciplinas curriculares específicas durante os cursos de formação;
– desenvolvimento de ações integradas de assistência social e promoção da saúde mental de forma preventiva e inclusiva para a família;
– melhoria da infraestrutura das unidades;
– incentivo ao estabelecimento de carga horária de trabalho humanizada;
– incentivo ao estabelecimento de política remuneratória condizente com a responsabilidade do trabalho policial;
– incentivo à gestão administrativa humanizada.
Mais uma vez foi reconhecida a complexidade do tema e a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, humana, sigilosa, com respeito à intimidade e dignidade do servidor, que reclama fomento ao estudo científico. Importante reconhecer a grande contribuição para o início de uma mudança na cultura organizacional em relação ao tema saúde mental, na citação formal da inclusão de disciplinas nos cursos de formação e ações de sensibilização dos agentes. Também nesse ponto o legislador mais uma vez reforça a preocupação com as condições de trabalho do servidor, frisando a melhora na infraestrutura das unidades, o estabelecimento de carga horária humanizada e, indiretamente, a preocupação com questões relacionadas a assédios, por exemplo, ao mencionar a preocupação com uma gestão administrativa humanizada.
Assim, a partir do exposto, conclui-se que cada vez mais o assunto saúde mental e educação emocional têm sido pauta de discussão em nossa sociedade, o que é muito positivo. Apenas, por meio da desmitificação do assunto, da naturalização do debate e exposição sobre o tema, do acolhimento dos servidores, e de uma mudança significativa na cultura comportamental e institucional da segurança pública, poderemos vislumbrar melhoras nos índices de adoecimento de nossos heróis, protetores sociais, e principais garantidores dos direitos inerentes à sociedade democrática de direito.
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Erick, filiado ao Sindpecri/MG, é idealizador do projeto Cuide-se Policial
O projeto tem crescido e atraído cada vez mais colegas da área policial e do sistema de Justiça mineira e conta com a divulgação de Informações, Palestras, Cursos, Notícias, Lives e todo tipo de conteúdo que tenha o potencial de chamar a atenção para o tema Saúde Mental, divulgando ferramentas capazes de auxiliar colegas de luta a reconhecerem suas limitações, desenvolverem o autoconhecimento, ampliarem sua educação emocional e, principalmente, quando e como devem pedir ajuda. Trata-se de um projeto voluntário, idealizado há anos pelo filiado Perito Erick Guimarães, que tem estudado o tema, desde que ele mesmo se deu conta, a partir da sua própria trajetória de vida, de que precisava buscar meios para o autocuidado e promover melhor qualidade de vida para si mesmo.
No mês dedicado ao Combate do Assédio Moral (2 de maio – Dia Nacional do Combate ao Assédio Moral), o SINDPECRI/MG, comprometido com a saúde do Perito Criminal, repudia a violência psíquica e física no ambiente de trabalho e se compromete em LUTAR para combater qualquer conduta nociva que fere a dignidade de seus trabalhadores.